Cena latina no centro do Mirada

Tierra, escrito e dirigido pelo franco-uruguaio Sergio Blanco. Foto: Nairi Aharonián

Kil Abreu

  • O jornalista Kil Abreu viaja a convite do Sesc São Paulo

            Setembro é o mês do Mirada, já um dos principais festivais de teatro do país. O festival acontece em Santos, de 05 a 15. Criado em 2010, chega à sétima edição colocando em foco a produção teatral de um país vizinho, o Peru. Além de oito espetáculos peruanos a mostra reúne a representação cênica de dez países latinos e, ainda, de Portugal e da Espanha, somando mais de trinta espetáculos.

            É sempre um alento saber que a estrutura de uma instituição como o Sesc São Paulo está não apenas a serviço do teatro e do acesso popular, como também a favor de uma programação criteriosa e quase nunca assimilada aos padrões de circulação do teatro comercial. O Festival cumpre ainda um outro papel importante, o de fazer ver a produção dos países latinos e ibéricos. É ótimo para os artistas de teatro, cujas referências fundamentais continuam sendo as da cena europeia, e excelente para as plateias, que tomam contato com obras de países vizinhos, muitas vezes mais afins e que, no entanto, embora mais próximos ao Brasil raramente têm sua produção apresentada aqui.

            Os temas recorrentes das montagens são, de um modo geral, os que estão na pauta da representação teatral mundo afora neste momento e que derivam dos debates, enfrentamentos e impasses sociais. Entre os assuntos que ganham o palco estão as questões ambientais, a discussão sobre gêneros, racialidades, migração e política dos corpos.  

              O festival será aberto com encenações que tratam da fantasia através do teatro e, por outro lado, olham também a conjuntura sócio-política real do Peru no início dos anos de 1980. Na rua, um dos coletivos mais tradicionais daquele país, o grupo Yuyachkani, encena  El Teatro Es un Sueño. E o Teatro da Unidade vem com Esperanza, de Marisol Palacios e Aldo Miyashiro.

                 O encontro entre artistas de países diferentes aparece em co-produções como a do Teatro Experimental do Porto junto ao Teatro La María, do Chile. O espetáculo é G.O.L.P., em que as companhias imaginam “um Portugal comunista supostamente perfeito e um Chile em crise, numa reflexão sobre regimes sociais e relações coloniais”.

El Teatro Es un Sueño, com o grupo peruano Yuyachkani, Foto: Ramiro Contreras

Entre as produções internacionais uma das mais aguardadas é Yo Soy el Monstruo que os  Habla, criação espanhola com texto e direção de Paul B. Preciado, filósofo e escritor transgênero hoje de muita influência nos debates sobre sexualidade, gêneros e teoria queer. No espetáculo, Preciado retoma a famosa conferência feita em 2019 para três mil e quinhentos psicanalistas, na França.

              O franco-uruguaio Sérgio Blanco é outra presença sempre aguardada. Ele participa novamente do festival, agora com seu espetáculo mais novo, Tierra, em que segue na linha autoficcional para colocar em cena um diálogo com sua mãe. Outro destaque é a diretora argentina Romina Paula, que visita a obra de Fassbinder para levantar Sombras, Por Supuesto, junto com a Compañía El Silencio. ,

              Os espetáculos brasileiros seguem em geral a pauta proposta pela curadoria. É o caso de Monga, da cearense Jéssica Teixeira, que discute as normalizações do corpo a partir dos relatos sobre a mexicana Julia Pastrana, que ficou conhecida popularmente como “mulher macaco”.

              Os programadores do festival preocuparam-se  – uma preocupação sempre bem vinda – em trazer o teatro do Norte do Brasil. Neste caso, através de uma montagem vinda do Amazonas, As Cores da América Latina, com a Cia. Panando. Juão Nyn, artista potiguar de descendência indígena, apresenta Contra Xawara – Deus das Doenças ou Troca Injusta, que imagina “um reencontro de povosoriginários com o homem branco e discute a lógica do processo de colonização”.

                        Do Rio de Janeiro, o premiado Arqueologias do Futuro também recorre ao autoficcional, mas agora com pano de fundo social. Maurício Lima fabula em torno de sua infância no Complexo do Alemão.

                        Apresentado em Cubatão e em site specific, Vila Socó é criação do Coletivo 302 e percorre a Vila São José, para narrar o incêndio ocorrido há 40 anos no  antigo bairro operário, em um episódio registrado como uma das maiores tragédias do país.

                        O Mirada tem ainda programação de teatro para crianças, atividades  formativas  e críticas, como o “Boteco crítico”, conduzido por Amilton Azevedo, Fernando Pivotto, Heloisa Sousa, Guilherme Diniz e Fredda Amorim – os quatro primeiros, do projeto Arquipélago.  

                        Uma boa notícia é que o Festival segue inspirado na sofisticada visão humanista de Danilo Santos de Miranda, ex-diretor do Sesc São Paulo, falecido em Outubro de 2023. É o que se pode intuir da fala do atual Diretor Regional,  Luiz Galina, quando comenta as escolhas para esta edição: “Compreender o pertencimento ancestral enriquece a pesquisa nas artes performáticas, ampliando visões e criando novos contextos. Essa percepção pode superar supostas hierarquias entre povos e permitir novas aproximações simbólicas”.

Maurício Lima em Arqueologias do Futuro (Brasil). Foto: Rodrigo Menezes

MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas

Santos.

Mais informações e programação completa em:  https://sescsp.org.br/mirada

Venda de ingressos na bilheteria das unidades do Sesc São Paulo e on-line pelo portal do Sesc SP (https://sescsp.org.br/mirada).

*CENA ABERTA faz parte do projeto Arquipélago de fomento à crítica, apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : Ruína Acesa, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Agora Crítica, Tudo menos uma crítica e Satisfeita,  Yolanda?

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