‘Vapor’ é dança-mantra

Por Kil Abreu

Vapor: Dança quebrada
Foto Dudu Lobato

Vapor, Ocupação infiltrável, é bonito de uma maneira em que a beleza recusa-se ao protocolo. É uma dança para tambor. Dança percussiva. Os corpos dos garotos não imitam, não acompanham a batida. São o próprio bater. Percussão que faz o instrumento quase falar, sendo que pernas, pés e tronco, braços, pescoço, cabeça e juntas também são instrumentos. Os meninos convocam tramas feitas de tensões mas também de festa. Contam histórias  suadas como uma sequência de capoeira – o osso e a lábia, a liberdade e o cálculo,  a dor danada e o remédio, na mesma criação.

O espetáculo é um mantra, não há dúvida. Aquela reza diária de moleques que, como se diz, têm hora pra sair mas não sabem se haverá hora de voltar. Então a dança deles não deixa de ser um benzer-se, um pedido de axé.

Tramas e tensões
Foto: Dudu Lobato

O galo canta todo dia não é só por boniteza, é por precisão. E porque a gente precisa da beleza. E os caras tiram do perrengue muitas formas de beleza. O que é um perigo. Porque a poesia poderia perfeitamente cair na autocomiseração, que é onde os poderosos querem mesmo que a gente caia. A autopiedade não move porra nenhuma. Eles então seguem ali no fio da navalha, equilíbrio e invenção na beiradinha do rio dos piaus . Não caem nessa, e viva.

Vapor é dança singular. Mas não tem interesse na singularidade ensimesmada, na régua da dança carola, na coreografia apolínea. É uma dança toda ela quebrada. Não cumpre tarefa. A quebrada. Sobrevive porque seu modo de seguir é safo. Descaminhos como estratégia. Como disse Manuel Bandeira, é verso que não cabe na tabela de senos e cossenos.

Respirar junto, ali, é como firmar a atitude mais essencial em um break solidário.  Não é yoga de classe média.

O piauiense Original Bomber Crew faz teatro vivo, a performatividade que interessa.

Que bom que Belém viu, sentiu e comeu. Tanto em comum.

Vapor passa então a ser alimento. Floresce, fortifica.

E já é. 

Respirar junto
Foto: Dudu Lobato

Vapor, ocupação infiltrável foi apresentado na programação do !Pulsa! – Movimento arte insurgente, em Belém do Pará, no Teatro Curro Velho, nos dias 13 e 14 de Novembro de 2024.

  • Este texto foi escrito originalmente para o !Pulsa! – Movimento Arte Insurgente, no contexto do workshop Narrativas do afeto.
  • CENA ABERTA faz parte do projeto Arquipélago de fomento à crítica, apoiado pela produtora Corpo Rastreado, junto às seguintes casas : Ruína Acesa, Guia OFF, Farofa Crítica, Horizonte da Cena, Tudo menos uma crítica e Satisfeita,  Yolanda?

VAPOR, OCUPAÇÃO INFILTRÁVEL

Concepção e direção: Allexandre Bomber;

Performers-criadores: Allexandre Bomber, César Costa, Javé Montuchô, Malcom Jefferson, Maurício Pokemon, Phillip Marinho e Vini Nex;

Criação musical: Allexandre Bomber, Cesar Costa e Javé Montuchô;

Criação de luz: Allexandre Bomber e Javé Montucho;

Grafismos: Malcom Jefferson;

Assistência coreográfica: César Costa;

Técnica: Javé Montuchô e Phillip Marinho;

Coordenação de montagem: Phillip Marinho;

Fotografia, vídeo e projeções: Maurício Pokemon;

Design gráfico: Malcom Jefferson;

Assistência administrativa: Humilde Alves;

Direção de produção: Regina Veloso;

Difusão: Corpo Rastreado.

Obra criada entre entre Imersões nas Ocupações Lindalma Soares, Pedro Balzi, Jacinta Andrade e Vila Esperança (TeresinaBR-2021) e Residências no Quintal da Revoada (TeresinaBR-2021), CAMPO Arte Contemporânea (TeresinaBR-2024), FAROFA/Casa Oswald de Andrade/Casa Líquida (São PauloBR-2024) e Festival DDD/Teatro Campo Alegre (PortoPT-2024).

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *