
Por Kil Abreu
Idealizada e criada em 2014 pelo diretor Antonio Araújo e pelo produtor Guilherme Marques, a MITsp chega em 2025 com uma programação enxuta. Nesta edição serão quatro espetáculos internacionais e nove nacionais (na MITbr), mais uma agenda de atividades críticas e pedagógicas. A abertura será nesta Quinta feira, 13, no teatro do Sesi, com o espetáculo Vagabundus, do diretor moçambicano Idio Chichava. Entre os destaques da programação está o aguardado Gaivota, encenação do diretor argentino Guillermo Cacace, que fará apresentações na cúpula do Teatro Municipal.
Entre as montagens brasileiras (selecionadas por uma curadoria específica composta por Ave Terrena, Kenia Dias e Jay Pather), estão tReta, uma invasão performática, do grupo piauiense Original Bomber Crew, e Reset Brasil, espetáculo itinerante do Coletivo Estopô Balaio. A encenação acontece em um trajeto que começa na estação de trem do Brás e termina no bairro de São Miguel Paulista, na Zona Leste da cidade.
Na seção Olhares críticos, curada pela escritora Helena Vieira, chama a atenção justamente a ausência dos olhares de críticos e críticas convidados(as) nas edições anteriores a escrever sobre os espetáculos. No contexto de contingências orçamentárias, este é um corte importante em uma Mostra que se diferencia entre outras coisas pela verticalidade dos debates em torno das obras.
De todo modo há, entre outras atividades que também têm função crítica, uma “aula-Magma” com a filósofa Denise Ferreira da Silva e um encontro com o ensaísta André Lepecki. A programação completa da MITsp (incluindo as atividades pedagógicas) pode ser consultadas em: mitsp.org.

CONTINGÊNCIAS E AVANÇOS
Para Antônio Araújo, diretor artístico da Mostra, os dez anos completados nesta edição de 2025 são uma celebração da sobrevivência. Neste breve balanço feito ao CENA ABERTA ele invoca a trajetória cumprida entre a frustração de expectativas e a alegria de trazer ao país artistas e pensadores da cena que nunca haviam estado por aqui. Ou, em outros termos, um caminho entre os espinhos das limitações orçamentárias e os bons frutos derivados, por exemplo, do programa de internacionalização que oportunizou a entrada de artistas brasileiros no circuito internacional de festivais.
Cena Aberta: Dez anos de Mostra. Pensando na relação entre programações ideais e orçamentos, entre desejos e interdições, o que mais desapontou e o que mais deixou você feliz como curador até aqui?
Antonio Araújo – O que mais me desapontou é o que aconteceu esse ano. A gente está comemorando dez anos, tínhamos projetado uma comemoração super bonita, com número grande de espetáculos brasileiros e internacionais. Um número um pouco maior, na verdade, do que a gente trabalha. Já trabalhamos com dez, até doze espetáculos, e queríamos [nesta edição atual] trazer quinze. Mas deu um revertério total por conta dos recursos de patrocínio, dos editais. A gente não ganhou nenhum, enfim.
Em função disso a Mostra foi violentamente cortada. Do projeto original de 15 espetáculos internacionais a gente tem quatro. Esse corte também afetou a programação dos olhares críticos, afetou a programação das ações pedagógicas e afetou programação brasileira, que a gente ainda conseguiu salvar mais, já que estamos trazendo nove espetáculos. Nessa comemoração de dez anos nós tínhamos a expectativa de fazer algo maior e mais festivo. Não é pouca coisa nesse contexto de ausência de políticas culturais para festivais. Mas o fato é que a gente está fazendo uma edição super reduzida. Avaliamos que entre essas dez edições foi o ano mais difícil para fazer a MIT. Isso causa muita frustração.
Bem, agora o que me deixa mais feliz como curador… Acho que tem muitas coisas, não é? Talvez primeiro ter trazido artistas que admiro muito. Penso na Phia Ménard, com o Casa Mãe dela [na edição de 2020]; ou a Suzanne Kennedy. Entre os latinoamericanos, o Guillhermo Calderón, por exemplo, que trouxemos mais de uma vez. Também alguns trabalhos africanos, como o do Gregory Maqoma (artista da África do Sul) que a gente trouxe no ano passado, ou a Ntando Cele [com o espetáculo Black Off, na edição de 2017]. A Ntando e aquele posicionamento político muito forte, de uma luta antirracista feita com muito humor, enfim. Foram muitos artistas. Lembro o Krystian Lupa, mestre polonês que, como outros, nunca tinham vindo ao Brasil. Artistas muito importantes, referências. Além disso trouxemos também intelectuais, pensadores. Por exemplo, a primeira vez que Grada Kilomba veio ao Brasil foi através da MIT. No ano passado finalmente conseguimos trazer o Achille Mbembe… Então acho que essas coisas nos deram muita alegria.
Em sua avaliação, qual o principal legado da MITsp nesses dez anos, para o panorama cultural da cidade de São Paulo?
Eu acho que o principal é [a MIT] poder fazer com que a cidade e o público da cidade tenham contato com esses artistas, que são referências da cena mundial. São artistas que não estão em qualquer festival. Isso abre perspectivas, abre horizontes, nos desloca, nos faz olhar as coisas de um outro jeito, por um outro ângulo, provocam debate, provocam discussão.
Por exemplo, lembro do trabalho do Heiner Goebbels (artista alemão), o Stifters Dinge (na edição de 2015), que naquele momento gerou discussão na classe teatral porque era um espetáculo que não tinha atores, era quase como se fosse uma máquina cênica. E aí as pessoas diziam: “Ah mas se não tem ator não é teatro”. Quer dizer, aí você começa um pouco a investigar essas fronteiras. Você começa a espichar a corda para um lugar que provoca justamente esse tipo de incômodo, de debate. Isso me parece muito rico. Eu acho que é uma contribuição, para quem mora aqui [em São Paulo], para quem gosta de teatro, para quem vê teatro, para quem faz teatro.
Também apontaria uma outra coisa importante, e não é só para São Paulo, que é a plataforma de internacionalização [da Mostra]. A gente passou alguns anos até conseguir fazer. A MIT começa em 2014, mas só em 2018 conseguimos fazer a MITbr. E eu acho que isso em pouco tempo tem se mostrado efetivo, no sentido de colocar os nossos artistas na roda, gerar trabalho, gerar circulação, mostrar a cena brasileira contemporânea [fora do Brasil].
Aí você tem por exemplo o grupo Mexa, aqui de São Paulo, que tem viajado e teve inclusive as suas últimas duas produções feitas já com verba internacional; ou a Renata Carvalho, que viajou para 13 países com Manifesto Transpofágico; ou a Gabriela Carneiro da Cunha, que já apresentou [com o espetáculo) Altamira em mais de 20 países.
Isso também impacta outros artistas, de outros estados (além de São Paulo), que por meio da da MITbr têm conseguido circular mais.
Acho que além do ganho dos artistas o mais bacana é revelar essa potência da cena brasileira, do teatro, da dança, da performance, fora do Brasil. Ou seja, de alguma maneira colocar essa cena no debate.
MITsp – Mostra internacional de teatro de São Paulo
De 13 a 23 de Março de 2025, em diversos locais
Consulte a programação completa em mitsp.org