A sétima edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo começou nesta Quinta, 05, com abertura e espetáculo no Auditório do Ibirapuera. A MITsp é um dos maiores festivais teatrais do país e programa não só espetáculos da cena internacional como também apresenta a curadores estrangeiros e público brasileiro espetáculos nacionais (na mostra paralela, a MITbr).
A abertura teve forte acento político e demarcou posição em um Brasil atravessado pela censura crescente às manifestações artísticas. A escolha da mestra e mestre de cerimônia já sinalizou isso. Renata Carvalho (atriz) e Gabriel Lodi (ator) ressaltaram a importância desta edição do festival, que conta com o maior número de pessoas trans já registrado em eventos do gênero. Eles e elas estão não só na programação de espetáculos como também nas atividades pedagógicas que acontecem até o próximo dia 15.
Os limites também foram demarcados. Lembrou-se que a mostra se lança hoje como espaço de singularidades e da pluralidade de vozes, mas ainda há campos para avançar quando se pensa na democratização do acesso e na ressignificação da cena a partir da perspectiva de mulheres, da população negra, LGBTQi e periférica. Falaremos em teatro popular – notou-se – somente quando os que historicamente estiveram fora do palco e da plateia forem assimilados.
Os discursos de saudação, puxados pelo produtor geral da Mostra, Guilherme Marques, avançaram no tom político. Falaram os representantes de alguns dos patrocinadores – o Diretor do Instituto Itaú Cultural, Eduardo Saron; o Diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda; o Secretário Municipal de cultura, Alê Youssef, e ainda o produtor Celso Curi, em nome do Movimento Artigo 5º, que vem denunciando episódios de censura e organizando respostas. Foram recorrentes os chamados a favor da democracia e da liberdade de expressão contra a crescente onda obscurantista que tem avançado em tentativas de interdição das artes, da educação e da imprensa livres.
Multidão (Crowd) – fascínio e cansaço
O espetáculo de abertura da mostra, Multidão (Crowd), com coreografia da artista franco-austríaca Gisèle Vienne, impressionou pelo virtuosismo corporal dos atores-atrizes-bailarinos e bailarinas. A trupe, jovem, representa uma espécie de rave em um terreno abandonado. Ao som de hipnótica dance music, seus corpos conduzem pouco a pouco os espectadores à percepção de uma nova temporalidade. Se inicialmente nos angustiamos pela interminável trajetória dos movimentos em câmera lenta – que soa estranho a nós que vivemos no império do capital acelerado -, ao longo de uma hora e meia de espetáculo somos tragados por novas possibilidades rítmicas, como se fôssemos introduzidos a um transe religioso. Os corpos ora se movimentam em uma absorvente dinâmica compassada, ora se entregam a pequenas narrativas individuais, que nos revelam gestos a um só tempo violentos, eróticos, ternos.
No entanto, apesar da impressionante preparação física e da capacidade de seduzir pelo jogo rítmico, os corpos que se cansam nos cansam também, por não manterem a teatralidade acesa. O espetáculo joga com possibilidades de gestos mínimos em meio à multidão, mas ao fim da cena temos a impressão de que a repetição anula as individualidades, cuja potência se dilui. Ao fim e ao cabo, seria o cansaço um efeito intencionado? Conseguiriam aquelas individualidades realmente se afirmar em meio a uma dança ao mesmo tempo exuberante e trágica?
De qualquer modo, aqueles que se atraem e se repelem sugerem leituras para nossa própria existência. Na busca pelo prazer, ora nos deliciamos com os encontros, ora nos deparamos com a solidão em meio à celebração coletiva. Trata-se talvez da revelação da anomia diante do esfacelamento das subjetividades, um tema que vem dos modernos e chega ao paroxismo no tempo atual.