A mentora da Farofa – Uma poética para a produção

A produtora Gabi Gonçalves: alianças e continuidade

Por Kil Abreu

Gabi Gonçalves está há 18 anos à frente da Corpo Rastreado, produtora fundada por ela, uma das mais atuantes de São Paulo nas últimas duas décadas e uma das que têm melhor vocalizado a aproximação entre o trabalho dos produtores e produtoras e a criação artística.

Assim como no campo da experimentação estética as fronteiras entre linguagens estão cada vez mais tênues, aqui também há o desejo de estreitar veredas entre quem cria e quem levanta as condições para que a arte complete seu percurso em direção a plateias e fruidores. Nestes termos, Gabi fala em uma prática da “continuidade como política” e em uma estratégia orientada pelo “fortalecimento de alianças”. 

Neste momento ela coordena uma equipe grande – e diversa – de trabalhadores e trabalhadoras da cultura (veja ficha técnica). Entre os muitos projetos dos quais cuidam, está a Farofa. É uma Mostra laboratorial, de experimentações cênicas – que ela não gosta de chamar de mostra e sim de movimento. A Farofa conta já com oito edições e nasceu quase que paralelamente à Mostra internacional de teatro de São Paulo, a MITsp. O eixo do evento são as aberturas ao público de trabalhos ainda em processo, de diversas origens – do teatro, da performance, da dança, das formas híbridas.

Nesta entrevista ao CENA ABERTA, a produtora fala sobre a edição atual da Farofa, sobre as relações entre produzir e criar, sobre a inspiração colaborativa do trabalho, sobre a trajetória junto à MITsp e sobre o vislumbre de uma Poética para a produção.

Quando falamos sobre processos na área da criação costumamos ter em perspectiva as obras artísticas em si.  Nesta edição da Farofa vocês propõem jogar luz também sobre o aspecto da produção. Como surgiu essa preocupação e de que forma ela estará presente na Mostra?

Não consigo separar o processo artístico do processo de produção. Tento cada vez mais encontrar essas conexões porque acredito que ambos são processos de criação. Uma coisa que é basilar, que a gente usa desde o começo na Farofa, é que todas as questões de que a gente trata partem do olhar da produção. Quando proponho olhar para o processo artístico, é a partir da produção. Não é que dessa vez estou jogando mais luz na produção. Nem gosto de chamar a Farofa de Mostra, nem de Festival. Chamo de movimento, porque desejo fazê-lo sempre que sinto necessidade de discutir alguma questão que está permeando este lugar que eu acredito que está na base da criação artística. Então quanto mais coloco [esses fazeres] lado a lado, mais consigo encontrar essa aproximação que pode ser uma possível saída para problemas estruturais. Quanto mais a gente der ferramentas e mostrar a potência da produção, mais toda a cadeia produtiva ganha. É daquelas certezas que são quase um sonho (risos). A cada edição damos um passo além nesse processo, em direção a criar essa linguagem de produção que a gente deseja.

Artistas e grupos da Farofa: Aberturas, experimentos, espetáculos

São cerca de 40 aberturas e ações, um volume mais que razoável de atividades. Fale um pouco sobre o processo e a logística da Farofa: como são selecionados os trabalhos? Como é a logística quanto aos custos? A Mostra conta com alguma subvenção?

Sim, são quase 40 atividades. [Mas] temos tentado pensar em como podemos sair desse sistema de quantificação. Quando imagino o movimento nunca começo pelo número de ações. Porque quase sempre temos pouco dinheiro, ou não temos nada. O que movo são as minhas relações, e o pouco que temos dividimos entre os que estão envolvidos. Esta é a conduta. O que costumo fazer é que como conhecemos muitos trabalhos e artistas, tento encontrar um lugar de oportunidade. Por exemplo, para o/a artista mostrar o processo que deseja mostrar, mas que ainda não tem uma data para fazer. Daí as coisas se movem. Pessoas também nos procuram, e procuro deixar isso acontecer de uma forma livre. Tento pensar em um jeito mais aberto de fazer curadoria. Não quero esse poder de “eu escolho, eu determino”. É óbvio que no final a gente está selecionando. Mas é que se eu chego em 40 [atividades] é porque abri muitos espaços. E meu trabalho como produtora é abrir espaços. Vou até onde aguento, e esse é o limite –  tudo o que cabe dentro desse círculo de 26 pessoas de mãos dadas. Tudo é pensado com os/as artistas. Não imponho nada, trago para junto, para decidir o que vai ser possível fazer. Investimos em ideias, naquilo que virá nos próximos tempos. É importante pensar que o que a Corpo está fazendo é gerar possibilidades de trabalho futuro para todas as pessoas.

[Quanto à subvenção], este ano temos 150 mil para fazer tudo. Sabemos que custaria muito mais. Acontece porque o movimento é fruto do trabalho coletivo. Então, eu aceito a precariedade? Não. Olhamos e decidimos sobre como é possível ir além desse ambiente precário.

A Farofa nasceu como uma mostra “Off” da MITsp, e nesses anos seguiu acontecendo paralela à MIT. Mas nesta edição o nome traz uma mudança: a Faroffa passa a se chamar Farofa.  Fale um pouco sobre a relação do evento com a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.

A Mostra (MIT) chega em 2014, passa alguns anos se consolidando e em um determinado momento parece normal que surja um “Off”. Temos uma relação com a MIT desde o início, aconteceu naturalmente. Nós usamos os espaços que conseguimos para pensar o que estamos fazendo, pensar politicamente. A relação com a Mostra é sempre muito próxima. Nos falamos muito, tentamos construir o máximo possível juntos, em parceria. Quando decidimos tirar o “Off” [de “Farofa”] é porque a gente faz mais que ser o Off da MIT. Esta edição da Farofa é a oitava. Estamos sempre buscando discutir as inquietações que vivemos dentro da área de produção. É um privilégio viver esse ambiente artístico. Aproveito nossa conexão com os artistas para pensar no que estamos fazendo, o tempo inteiro. Quando tiramos esse “f”, é uma decisão coletiva entre nós da Farofa, para dar a ela mais espaço. Todo mundo vai nos olhar como o Off da MIT, e isso é normal. Mas é para levar esse movimento além. Penso que esse é um espaço de experimentação bem importante. Por isso expando a Farofa para além do Off. Vamos seguir nas conexões com a MIT, mas vamos seguir outros tantos caminhos também.

SERVIÇO

Farofa do Processo

De 2 a 10 de março de 2024

Gratuito – ingressos distribuídos uma hora antes das apresentações

Atividades das 10h às 22h

Informações e programação completa em: https://www.faroffa.com.br/

Locais:

Oficina Cultural Oswald de Andrade – Rua Três Rios, 363, Bom Retiro, São Paulo, SP

Casa do Povo – Rua Três Rios, 252 – 1º andar, Bom Retiro, São Paulo, SP

Teatro de Contêiner – Rua dos Gusmões, 43, Santa Ifigênia, São Paulo, SP

FICHA TÉCNICA – Farofa/Corpo Rastreado

Produtores e produtoras: Alba Roque, Anderson Vieira, Angelo Fabio, Ariane Cuminale, Carmen Mawu Lima, Danusa Carvalho, Felipe Feldman, Fernando Pivotto, Gabi Gonçalves, Gabs Ambròzia, Gisely Alves, Graciane Diniz, Jack dos Santos, Jacob Alves, Jéssica Rodrigues, Keila Maschio, Leo Devitto, Letícia Alves, Lucas Cardoso, Lud Picosque, Nathalia Christine, Rodrigo Fidelis, Tamara Andrade, Tatah Cardozo e Vinicius Inacio.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *