As artes do corpo como provocação: entrevista com a curadoria do 16º IC Encontro de Artes

Jorge Alencar, Ellen Melo, Neto Machado e Larissa Lacerda: equipe curadora do 16º IC Encontro de Artes. Foto: Larissa Lacerda

Por Rodrigo Nascimento


O IC Encontro de Artes é um festival criativo soteropolitano que privilegia o diálogo e a apresentação de grupos e artistas das artes do corpo. O evento, que põe em evidência produções contemporâneas do Nordeste, realiza um feito no Brasil dos últimos anos: seguir desde 2006 com edições anuais, de maneira quase ininterrupta.

Sobrevivendo a anos de sistemático desmonte e abandono das políticas públicas para cultura, a curadoria de Ellen Mello, Jorge Alencar, Larissa Lacerda e Neto Machado desde o início do Encontro se propôs a colocar em movimento no festival questões que dialogassem diretamente com o Brasil, com a cidade de Salvador, com os modos de fazer e experimentar arte no presente. Numa cidade tão desigual, mas ao mesmo tempo tão rica culturalmente, lutam por uma ocupação diferenciada do espaço, com atividades que vão do centro ao subúrbio, em espaços públicos e privados.

A programação deste ano, que vai de 21 a 24 de agosto, tem como eixo a provocação “Que monstra sou eu?”. Dentre os espetáculos,  que privilegiam a dissidência, estão “King Kong Fran”, de Rafaela Azevedo (RJ), “Monga”, de Jéssica Teixeira (CE), “Cavalas”, de Alana Falcão e Ana Brandão (BA), “Ancés”, de Tieta Macau (MA/CE), e “Confabulações”, da Cia Buffa de Teatro (BA). Na programação estão também o show “Letrux como mulher girafa”, de Letrux (RJ), a residência artística conduzida pelas artistas Felícia de Castro, Lais Machado e Larissa Lacerda, além de oficina infantil ministrada por Maria Tuti Luisão, performances e festa. 

Em entrevista ao CENA ABERTA, a curadoria fala sobre esta 16ª edição do encontro, as motivações por trás de seu surgimento e sobre os desafios para a realização de um festival do gênero no Brasil atual.

Atriz Rafaela Azevedo, do espetáculo King Kong Fran. Foto: Nanda Carnevali.

CENA ABERTA: O IC Encontro de Artes ocorre de maneira quase ininterrupta desde 2006. Quais foram as motivações para que ele surgisse?

CURADORES: O IC Encontro de Artes surgiu em 2006 pulsionado pelo desejo do encontro entre artistas, públicos, agentes da cultura e suas práticas-pensamentos. Naquele primeiro ano, ainda não sabíamos que o realizaríamos anualmente e em formato de festival. Para começar, juntamos uma série de grupos e coletivos – em sua maioria do Nordeste – a fim de por em contato os nossos modos de criação e organização. Sentíamos que a cena estava um tanto desarticulada naquele momento e, no entanto, surgia um contexto político mais favorável ao debate sobre políticas públicas para as artes, apontando novas condições de produção, em particular para as artes do corpo – dança, teatro, performance. A sigla “IC” está ligada ao fato de, nas primeiras edições, ainda chamarmos o Encontro de “Interação e Conectividade”, duas noções que buscavam convidar às pessoas e entidades interessadas para criarmos circuitos de relação que implicassem afetações mútuas por meio de vínculos ético-estéticos colaborativos e comunitários.

CENA ABERTA: Pode-se dizer que um festival de arte contemporânea, experimental, chegar à sua 16ª edição consecutiva, é uma proeza no Brasil atual. Como vocês avaliam a realização do festival após anos tão difíceis em termos de políticas públicas para as artes? E o que mudou da primeira edição para cá?

CURADORES: Seguir fazendo arte e festival no Brasil é um feito quase milagroso! Uma das perguntas que movemos é: como criar alguma continuidade de trabalho em um contexto fundado em desmontes, descontinuidades e precariedades? Um caminho que temos exercitado diz respeito à transformação dos formatos do Encontro. Ainda que haja “metas a cumprir” balizadas, principalmente, pelos mecanismos de fomento, a cada edição, temos experimentado diferentes configurações. Isso é motivado tanto pela vontade de fazer valer uma curadoria experimental, projetada como uma certa “composição artística” via risco e abertura, como por compreender que as condições de realização – as econômicas, inclusive – são constitutivas das nossas decisões poético-curatoriais e do jeito como damos corpo a elas. Já aconteceu edição do IC que durou meses, em diferentes espaços de salvador (BA) e já aconteceu IC que durou 24 horas em um mesmo quarteirão da cidade de Salvador (BA). Trata-se de uma tensão constante entre decisão e contingência, uma incidindo na outra, sempre. Em termos de fomento, o Edital de Eventos Culturais Calendarizados pelo Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia foi um mecanismo fundamental para assegurar alguma estabilidade plurianual e para planejarmos as ações do Encontro com mais cuidado.

Cena de Monga, com a atriz Jéssica Teixeira, que compõe a programação do 16º IC Encontro de Artes. Foto: Patricia Almeida.

CENA ABERTA: A edição atual parte de uma pergunta provocadora: “Que monstra sou eu?”. Você poderia falar um pouco mais sobre o que lhes motivou a pensar nesse tema e como ele orientou a programação?

CURADORES: Na arte, tem sido recorrente a ideia de monstruosidade como metáfora de uma paisagem sociopolítica a como agenciadora de modos de pensar o corpo. Seja como interpelação violenta sofrida por pessoas e comunidades ou como potencial de insurgência e autoafirmação da própria condição de diferença, a noção de monstruosidade tem mobilizado diversas ações artísticas, aparecendo, inclusive, em títulos de obras e práticas formativas de maneira explícita ou indireta, muito ligada ao movimento de desestabilizar binarismos como masculino x feminino, natureza x cultura, animal x humano. Monstruosidade tem a possibilidade de desmantelar uma série de dispositivos moralizantes que cerceiam a existência, primordialmente, de grupos minorizados. Fazer curadoria tem a ver com uma escuta do tempo e dos contextos, provocando a cena, como um jeito de questionar: por que estamos fazendo do jeito que estamos fazendo? Podemos experimentar outros modos de fazer? Podemos imaginar outras composições sociais, políticas, estéticas? Como a arte participa disso tudo? Daí, a pergunta que fazemos na curadoria da décima sexta edição do IC “que monstra sou eu” é um jeito de estimular também uma autopercepção sobre as monstruosidades que performamos por fracassar em relação a certas normas e expectativas e, principalmente, por desafiá-las com nossa criação e com nossas vivências.

. CENA ABERTA faz parte do projeto Arquipélago, com apoio da produtora Corpo Rastreado.

Cena de Confabulações, que compõe a programação do 16º IC Encontro de Artes. Foto: Vanessa Aragão.

SERVIÇO:

IC ENCONTRO DE ARTES – 16ª edição
Que monstra sou eu?
21 a 24 de agosto – Salvador | Bahia | Brasil

Informações e vendas: www.icencontrodeartes.com.br
Instagram, Facebook e YouTube: @icencontrodeartes

Realização: Conexões Criativas
Parceria: Dimenti Produções Culturais
Apoio cultural: Bicicleta Produtora, Casa Preta Espaço de Cultura, Casa Rosa, Cervejaria ArtMalte, Rádio Educadora FM, TVE Bahia, Boca de Brasa e Teatro Gregório de Mattos
Apoio financeiro: Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda, Secretaria de Cultura, Governo do Estado da Bahia

PROGRAMAÇÃO

= “Monga”, de Jéssica Teixeira (CE)
21 de agosto, 19h | Casa Rosa (Rio Vermelho)
R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia) | Classificação indicativa: 18 anos

= “Covil”, com RADIxCAOS + DJ Malayka SN (BA)
21 de agosto, 20h30 | Cervejaria ArtMalte (Rio Vermelho)
Gratuito | Classificação indicativa: 18 anos

= “Cavalas”, de Alana Falcão e Ana Brandão (BA)
22 de agosto, 19h | Teatro Gregório de Mattos (Praça Castro Alves)
R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia) | Classificação indicativa: 10 anos

= “Covil”, com Milita Sattiva + DJ Latty (BA)
22 de agosto, 20h30 | Cervejaria ArtMalte (Rio Vermelho)
Gratuito | Classificação indicativa: 18 anos

= “Ancés”, de Tieta Macau (MA/CE)
23 de agosto, 19h | Casa Preta Espaço de Cultura (Dois de Julho)
R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia) | Classificação indicativa: 12 anos

= “Covil”, com Karmaleoa + “Monstraokê” (BA)
23 de agosto, 20h30 | Cervejaria ArtMalte (Rio Vermelho)
Gratuito | Classificação indicativa: 18 anos

= Oficina “Monstras, monstrinhes e monstronas: laboratório indisciplinado de criações e invenções de si”, com Maria Tuti Luisão (BA)
24 de agosto, 10h às 12h | Casa Arte Dá Trabalho (Rio Vermelho)
Gratuito (necessária inscrição prévia) | Para crianças de 8 a 12 anos

= “Confabulações”, da Cia Buffa de Teatro (BA)
24 de agosto, 15h | Espaço Cultural Boca de Brasa Céu de Valéria (Valéria)
Gratuito | Classificação indicativa: 16 anos

= “King Kong Fran”, de Rafaela Azevedo (RJ)
24 de agosto, 18h e 20h | Teatro Sesc-Senac Pelourinho (Pelourinho)
R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia) | Classificação indicativa: 18 anos

= “Letrux como mulher girafa”, de Letrux (RJ)
24 de agosto, 19h e 21h | Largo Tereza Batista (Pelourinho)
Ingresso brinde adicionado na compra do passaporte IC16 | Classificação indicativa: 18 anos

= “DeMonster Day”, atividade resultante da residência artística “Que Monstra Sou Eu?”, sob a condução das artistas Felícia de Castro, Lais Machado e Larissa Lacerda
Data, horário e local a serem divulgados

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