“Estamos firmando no exterior a potência do nosso teatro, da dança, da performance” – Entrevista com Antonio Araujo

O diretor artístico da MITsp Antonio Araujo. Foto: Guto Muniz

Por Kil Abreu e Rodrigo Nascimento

Às vésperas da sua décima edição, a Mostra internacional de teatro de São Paulo (MITsp) firmou-se como um dos principais eventos de artes cênicas do país. Com um raio ampliado de ações, o festival comporta, além da Mostra de Espetáculos, seções específicas dedicadas à pedagogia do teatro e à prática da crítica. Há também uma mostra paralela à grade internacional, com espetáculos brasileiros selecionados através de curadoria. É a MITbr, plataforma de internacionalização através da qual programadores de dezenas de países (são mais de 100) assistem às apresentações.

Nesta edição a curadoria fez ao menos dois recortes bem visíveis: selecionou apenas trabalhos do chamado Sul Global (no caso, da África, da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina) e radicalizou o olhar sobre as formas híbridas. Assim, a participação usual de espetáculos europeus foi evitada, e as montagens escolhidas têm acento nas experiências multilinguagens. Nenhum dos espetáculos é estritamente teatral. Todos passeiam de alguma maneira também pela dança, pela performance e por gêneros de fronteira.

Indício destas escolhas é o artista em foco da edição, o diretor e compositor sul-coreano Jaha Koo, que apresenta sua Trilogia Hamartía: Lolling and Rolling, Cuckoo e A História do Teatro Ocidental Coreano. Há ainda montagens da Argentina, do Líbano, da África do Sul e da Costa do Marfim. A estreia nacional fica por conta do grupo Ultralíricos, que apresenta Agora tudo era tão velho – FANTASMAGORIA IV, com direção de Felipe Hirsch.

A curadoria da MITbr – Plataforma Brasil foi feita pela fotógrafa e performer paraense Marise Maués, por Cecilia Kuska, gerente de produção do Festival Internacional de Buenos Aires (FIBA) e pelo coreógrafo e performer piauiense Marcelo Evelin. A comissão assistiu a mais de 400 trabalhos inscritos e selecionou dez deles.

Cena do espetáculo libanês Contado pela minha mãe. Direção de Ali Chahrour

Em entrevista ao CENA ABERTA o diretor artístico da MITsp, Antonio Araujo, fala sobre o sentido destas escolhas curatoriais  e sobre os resultados do programa de internacionalização da Mostra, em prática desde 2018.

CENA ABERTA – A Mostra foi aberta com um espetáculo sul-africano, traz trabalhos de quatro continentes. Nenhum da Europa. Em outra frente, é nítida a boa presença da performance e da dança. São vocações que a MIT já vinha experimentando nas edições anteriores, mas que foram especialmente demarcadas nesta edição. Fale um pouco sobre estes recortes, que definem em bom volume os campos político e estético da Mostra. O que o levou a elegê-los?

ANTONIO ARAÚJO – A gente sempre teve a presença de várias regiões do mundo na Mostra. Mas nesta edição há, sim, o gesto de valorizar mais regiões como África e América Latina. Não há espetáculos europeus nem da América do Norte. Este é um gesto que tem custos, no sentido financeiro mesmo. Como é um festival em que sempre está faltando grana, para poder trazer mais trabalhos a gente fica com os espetáculos que já têm apoio dos seus países. Só que estes trabalhos são em geral os europeus. Europa, Canadá e Estados Unidos têm políticas de apoio muito fortes, eles investem nisso. Os institutos de apoio desses países não bancam tudo, mas aportam valores significativos.

Nesta edição, decidimos abrir mão desses apoios e fazer uma outra mostra. Não gosto da ideia de exclusão, mas foi importante nesse momento dizer “olha, dessa vez não tem Europa, não tem Estados Unidos”. Isso abre perspectivas em relação às próximas  mostras, de que a maioria das obras não seja dessas regiões.

Quanto às linguagens da dança e da performance, concordo que sempre estiveram presentes na MIT – pensar o teatro nesse lugar mais expandido. Mas de fato nessa edição isso é mais forte. Talvez seja a edição onde o teatro strictu sensu esteja menos presente, tanto na grade internacional quanto na programação brasileira.

CENA ABERTA – Você diria que estas são preocupações recorrentes na cena internacional?

ANTONIO ARAÚJO – Precisaria olhar a programação dos outros festivais, ao menos os principais. Mas não, não vejo essa perspectiva, de deliberadamente não programar espetáculos europeus ou da América do Norte. Então [na MIT] há, sim, o gesto político de deixar Europa, Estados Unidos e Canadá de fora. Quanto às linguagens [múltiplas], também não vejo que é algo que esteja pautando os festivais. [Por outro lado], acho que há temas como a questão racial, a questão trans, que são presentes e estão mobilizando os nossos tempos.

Dança Monstro, com a Cia. dos Pés, de Maceió : MITbr

CENA ABERTA –  Uma das seções da Mostra é a MITbr, que apresenta espetáculos brasileiros ao público e a curadores de outros países. Isto dá conta de um plano de internacionalização da cena nacional. Faça uma breve avaliação sobre o que se tem conseguido até aqui quanto à circulação de trabalhos no exterior, a partir da MIT.

ANTONIO ARAÚJO – A gente está muito feliz com a plataforma de internacionalização, pois ela tem dado resultados concretos. Basta observar espetáculos que estrearam na MITbr, como Manifesto Transpofágico, da Renata Carvalho, Altamira 2042, da Gabriela Carneiro da Cunha, Stabat Mater, da Janaína Leite, Isto é um negro (dirigido por Tarina Quelho). São espetáculos que circularam e continuam circulando a partir da plataforma. [Em outra frente], abriu-se possibilidades para que os criadores e criadoras recebam apoio pra fazer as suas próximas criações. Podemos pegar como exemplo a Carolina Bianchi e o seu espetáculo, Lobo. Os programadores que viram a montagem gostaram muito e isso abriu possibilidades para a Carol fazer a criação seguinte dela (Cadela força). Estreou em Avignon (Festival de Avignon, na França), já com coprodução de vários festivais. Neste momento o espetáculo está rodando a Europa. Outros exemplos: Boca de Ferro, de Marcela Levi. Os programadores do Kunsten (festival belga, acontece em Bruxelas) viram o espetáculo aqui e convidaram a Marcela pra estrear o próximo trabalho dela lá. A partir disso o trabalho está rodando. Outro: o trabalho do Mexa, que é um grupo formado por travestis, inclusive em situação de rua. O trabalho delas foi convidado pela programadora do Transform (Festival inglês de performance) e o próprio festival, em conexão com outros, patrocinou o trabalho seguinte do grupo (Poperópera Transatlântica). Só depois estreou no Brasil. Aí a gente pode observar uma inversão interessante.

Então acho que a presença brasileira, sobretudo na Europa, na América Latina e Estados Unidos, cresceu muito. Isso quebra uma visão chapada sobre as artes cênicas do país, que ainda gira em torno de poucos artistas. Por exemplo, quando se pensa em dança, o nome que vem é a companhia de Lia Rodrigues. Quando se fala em teatro, a representação é Christiane Jatahy. Esse quadro está ganhando mais complexidade, com outros artistas que entram no circuito. A MIT não é a única responsável por isso, claro. Há os agentes dos artistas, há outras forças que contribuem pra isso, mas a nossa plataforma de internacionalização tem um papel importante nesse processo. Nesta edição temos a participação de cento e onze programadores brasileiros e estrangeiros. Acho que estamos conseguindo firmar a potência do nosso teatro, da dança, da performance. A programação da MITbr está, aliás, muito bacana. Não tenho dúvida de que muitos trabalhos serão convidados a viajar.

SERVIÇO:

MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo
1º a 10 de março de 2024
Programação completa e mais informações em www.mitsp.org

LOCAIS:

Biblioteca Mário de Andrade (R. da Consolação, 94 – República, São Paulo-SP)
Centro Cultural Olido (Av. São João, 473 – Centro Histórico de São Paulo, São Paulo-SP)
CCSP – Centro Cultural São Paulo (R. Vergueiro, 1000 – Vergueiro, São Paulo-SP)
Theatro Municipal de São Paulo – Cúpula (Praça Ramos, s/n – Centro, São Paulo-SP)
Itaú Cultural (Av. Paulista, 149 – Bela Vista, São Paulo-SP)
Teatro Cacilda Becker (R. Tito, 295 – Lapa, São Paulo-SP)
Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros (Rua Paes Leme, 195 – Pinheiros, São Paulo-SP)
Teatro Antunes Filho – Sesc Vila Mariana (R. Pelotas, 141 – Vila Mariana, São Paulo-SP)
Teatro Anchieta – Sesc Consolação (Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo-SP)
Teatro Arthur Azevedo (Av. Paes de Barros, 955 – Alto da Mooca, São Paulo-SP)
Teatro do Sesi-SP (Av. Paulista, 1313, São Paulo-SP)
Tendal da Lapa (R. Guaicurus, 1100 – Água Branca, São Paulo-SP)
Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona (Rua Jaceguai, 520 – Bela Vista, São Paulo-SP)

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